sábado, outubro 30, 2004

O Pavilhão 9 e o Tanque de Guerra!


Fotos by Fabio Kalunga

Quanta falta que fazia esta banda! Havia mais de um ano que o pessoal do Pavilhão 9 não dava as caras, mesmo em apresentações ao vivo. Se o grupo conseguiu um inesperado sucesso nacional com seu último álbum, "Reação" (de 2001), parece que toda a exposição fez diluir a força desta banda diante das constantes oscilações do mercado fonográfico nacional. Pois o Pavilhão fez muita falta sim! O peso do crossover metal moderno+hip-hop do grupo realmente não encontra paralelos no Brasil, e talvez até mesmo no mundo. Misturar rap com metal acaba dando no tal do nu metal, que é sinônimo de bandecas de merda mega-produzidas e que ficam cantando as arguras de traumas de infância sobre bases pseudo-pesadas - a versão atual de fenômenos adolescentes tipo Backstreet Boys, só que lotados de piercings, tatuagens e poses de fodões-melacólicos. Pois é... O Pavilhão 9 chuta pra escanteio toda esta frescurada! É porrada moderna, com conteúdo e com groove. E o show do último dia 26 de outubro, no Itaú Cultural (São Paulo), foi a prova viva de que os caras ainda quebram tudo!

O Pavilhão 9 fez história antes mesmo dela acontecer. Explico: a banda surgiu com este nome em homenagem a um mano que encontrava-se preso no tal pavilhão do Presídio do Carandiru, isso em 1989. Pois a história fez com que o grupo ficasse nacionalmente famoso por conta do massacre de mais de uma centena de presos promovido pela PM paulista alguns anos mais tarde, no mesmo pavilhão 9 - o que acabou servindo de pano de fundo para o livro (de Drauzio Varela) e o filme (de Hector Babenco) "Carandiru". Outro fato que chamou a atenção para a banda foi que os rappers do grupo (na época, Piveti e Rhossi - único remanescente original) tinham que se apresentar mascarados nos shows, para depois caírem fora sem se identificarem, tudo por conta da explosiva canção chamada "Otários Fardados" - os canas eram doidos para enquadrarem os caras e darem-lhes umas bofetadas no xadrez. Mas a real é que o grupo não ficava somente na polêmica dos fatos e apresentava a cada disco um coquetel explosivo de hip-hop e uma crescente influência de heavy metal ao longo de seus lançamentos. "Pimeiro Ato", de 1992, já contava com participações de Edu K (De Falla) e João Gordo (Ratos de Porão) e já acenava com o crossover de guitarras pesadas. "Cadeia Nacional", o terceiro disco, fez a fama (merecida) do Pavilhão 9 com excelentes faixas como "Opalão Preto" e "Mandando Bronca", além de contar com marcantes participações de Marcelo D2, Igor e Max Cavalera e Nação Zumbi. "Se Deus Vier, Que Venha Armado", de 1999, tinha título e sonoridade muito mais pesados e "Vai Explodir" foi o único hit de um disco sensacional mas pouco ouvido. "Reação" os trouxe de volta ao mainstream, mas a poeira logo baixou. Atualmente eles se encontram na finalização do disco novo - "Público-Alvo", que deverá ser lançado no início de 2005.

Ao vivo, não seria exagero afirmar que o baterista Fernandão comanda o ritmo da banda - o cara é um tanque de guerra nas baquetas! Ele socava um kit mínimo no show desta terça com tal força que várias baquetas se quebraram ao longo de pouco mais de meia hora de detonação, ops, apresentação. Músicas novas como "Tô Na Minha", "Policial e Cidadão" e "Expressão" revelaram uma sonoridade pesadíssima nas guitarras (Marinho e Munassi), com samples de filme de terror comandados pelo DJ Paulo, além do baixo ultra-grave de Ortega. Rhossi e Doze despejavam palavras de ordem a todo momento sem perder a ginga. Um fato curioso era a aparência atual de Rhossi: uma versão mano do Zé Ramalho (acreditem!). Entre mortos e feridos, o Pavilhão 9 voltou a mostrar sua cara. Cuidado para não se machucar, pois o show destes caras é pra bater cabeça, que fique bem entendido!
+fotos:


sábado, outubro 16, 2004

Aos Interessados...


*Imagem by Cd Now.com

DVD: DJ Shadow - Live! In Tune and on Time (Jewel
Case)


O norte-americano Josh Davis, conhecido pela alcunha de DJ Shadow, pode ser considerado um dos (muitos) pilares da revolução musical que a música eletrônica como um todo promoveu nos anos 90 ao chegar no mainstream, e que parece ter criado um big bang de combustível infinito, tamanhas as possibilidades que se multiplicam à mesma velocidade em que as tecnologias evoluem desde então. Em quatro discos, ele produziu um instigante mix de rock, funk, jazz, soul, dub, ruídos de vinil empoeirado, climas noir, melodias vocais sampleadas dos cânticos mais obscuros da música black, além de grooves espertos e inteligentes. Sua criatividade e seu conhecimento musical se resumem na foto do encarte do CD "Endtroducing...", onde a imagem de um sebo de vinis de um canto qualquer do planeta e de vários anônimos ali à procura de peças raras (um deles poderia ser o próprio Shadow) se torna emblemática: trata-se de um universo de referências, das quais o passado sempre é utilizado para contar uma história presente e que acabará por promover a busca por um futuro mais catalizador de novas e antiquíssimas
influências.

Portanto, o lançamento recente do DVD+CD ao vivo "Live! In Tune and on Time (Jewel Case)" acaba se tornando essencial para compreender a carreira deste talento raro e de sua forma de atuar e produzir. Trata-se de uma apresentação "ao vivo" num palco de
verdade, onde Shadow risca, cola, mixa, altera e cria músicas próprias utilizando-se em tempo real de discos alheios e de ruídos eletrônicos produzidos pelo próprio. Sua técnica é impressionante! Além de demonstrar faro musical instantâneo em conjunto com um quase malabarismo com as mãos no equipamento, o DJ também funde em tempo real imagens que se casam perfeitamente com as músicas apresentadas. O caráter "ao vivo" se entende pelo fato de suas músicas originais gravadas em disco serem absolutamente
desconstruídas, criando-se algo totalmente novo e ao mesmo tempo preservando o "original" - é preciso utilizar-se de aspas com este termo, pois o DNA de sua música é composto de uma cadeia infinita de referências alheias. Para os afccionados pela cultura eletrônica, assistir DJ Shadow neste DVD se torna algo desafiador, pois as possibilidades tecnológicas ali empregadas estão cada vez mais ao alcance das massas. Ao mesmo tempo que, se você pretendia um dia se tornar DJ, este vídeo pode se tornar um desestímulo, pois a forma como este sujeito faz seu ofício é para poucos!

Mas não é só isso...

A Quem Interessa?

Quem compraria um DVD de DJ que não fosse um próprio DJ??? Indo mais fundo na questão: será que o público que ouve (dança) música eletrônica e sustenta este universo paralelo se interessaria em desembolsar uns trocados para ver um DJ "tocando música dos outros" na televisão de sua casa? Faço estas perguntas porque a música eletrônica produzida para as pistas de dança - a dance music - lida basicamente com ritmo, numa espécie de transe coletivo e ao mesmo tempo individualista ao extremo (uma união de corpos juntos no mesmo local, cada qual em seu mundo individual - a catarse coletiva, neste caso, é virtual, imaginária, impessoal, não havendo troca de energia entre as pessoas, mas sim uma energia individual circundando um ritmo, um tempo, um espaço). O DJ é peça fundamental neste processo. Mas daí colocá-lo na mesma posição que a de uma banda de rock tocando num palco para uma platéia ensandecida é um pouco demais - e incoerente. São situações como estas em que ocorre um paradoxo, onde tais universos, que sempre estão se cruzando, acabam separando-se em suas distinções mais evidentes.

Tal discussão - rock vs música eletrônica, analisada superficialmente, já vem sendo travada há tempos. Mas é fato de que a tal e-music não se trata simplesmente de uma peça rítmica produzida por não-músicos. Um dos filósofos mais importantes da dita "Era da Informação", o francês Pierre Lévy, dedicou um capítulo inteiro de sua obra definitiva "Cibercultura" ao que ele denominou de "música techno". Ali foi ressaltada a extrema importância da música produzida por DJs como um elemento fundamental para a propagação de culturas através da simbiose de ritmos e referências, das quais estas isoladamente talvez nunca despertassem o interesse de alguém que estivesse habituado a apenas poucos estilos musicais ao seu alcance de forma convencional (e passiva, diga-se). Mas insisto em, mesmo sendo DJ, separar estes dois universos - rock e eletrônica - no que diz respeito à apresentação "ao vivo".

O DJ rege uma massa coletiva em prol da dança - conceito básico e definitivo, certo? Como agente causador de emoções positvas diante de tal coletivo de indivíduos, ele assume o papel de centro das atenções, certo? Portanto, ter uma performance cênica marcante também faz parte do processo, certo? E na hora de pagar 80 paus para ver um DJ famoso rodar discos com música alheia num clube específico é caro mas justo, certo? Pois bem. Neste ponto em que o DJ sai da cabine e vai para um palco dividir atenções e importância com bandas com músicos tocando seus instrumentos é que a porca torce o rabo. Tire todos os aparatos de iluminação e video-animação do show dos Chemical Brothers em um estádio e veja se o resultado permaneceria o mesmo. Não estou desmerecendo uma das maiores bandas da música eletrônicas de todos os tempos. Mas é para os clubes - ou para as raves, é que a dance music foi feita. Quando ela se torna mainstream, tem que utilizar-se de métodos de adaptação que a aproxime de um artista de rock/pop, pois uma cara sozinho trocando vinis num par de toca-discos não seguraria a onda perante um público que pagou para assistir a apresentações com músicos.

Eu sei que esta questão é polêmica e rende muito mais do que estas parcas linhas virtuais. Mas assumo esta postura crítica com convicção, justamente por estar inserido neste universo, pois seria óbvio demais criticar negativamente algo que você não vive diretamente. Como DJ e amante inveterado da música eletrônica que sou desde criança (lembrem-se que havia tecno-pop nos anos 80...), não vejo sentido em gastar grana num DVD para ver um cara tocando música dos outros! É o mesmo caso do vídeo do Fat Boy Slim: prefiro ver o cara tocando na pista onde eu esteja, pois curto pra cacete dançar um set de um DJ de qualidade. Mas ver um vídeo do mesmo tocando para outras pessoas me soa totalmente sem sentido. A dance music proporciona sensações efêmeras e momentâneas numa pista. É melhor estar lá e lembrar depois. Ver um vídeo disso, só sendo DJ mesmo!

*Eu assisti aos três DVDs citados na Fnac Paulista, gratuitamente, numa TV de plasma de 54', som de home theater e sentado num sofá muito confortável. E não comprei os DVDs...