sábado, outubro 16, 2004

Aos Interessados...


*Imagem by Cd Now.com

DVD: DJ Shadow - Live! In Tune and on Time (Jewel
Case)


O norte-americano Josh Davis, conhecido pela alcunha de DJ Shadow, pode ser considerado um dos (muitos) pilares da revolução musical que a música eletrônica como um todo promoveu nos anos 90 ao chegar no mainstream, e que parece ter criado um big bang de combustível infinito, tamanhas as possibilidades que se multiplicam à mesma velocidade em que as tecnologias evoluem desde então. Em quatro discos, ele produziu um instigante mix de rock, funk, jazz, soul, dub, ruídos de vinil empoeirado, climas noir, melodias vocais sampleadas dos cânticos mais obscuros da música black, além de grooves espertos e inteligentes. Sua criatividade e seu conhecimento musical se resumem na foto do encarte do CD "Endtroducing...", onde a imagem de um sebo de vinis de um canto qualquer do planeta e de vários anônimos ali à procura de peças raras (um deles poderia ser o próprio Shadow) se torna emblemática: trata-se de um universo de referências, das quais o passado sempre é utilizado para contar uma história presente e que acabará por promover a busca por um futuro mais catalizador de novas e antiquíssimas
influências.

Portanto, o lançamento recente do DVD+CD ao vivo "Live! In Tune and on Time (Jewel Case)" acaba se tornando essencial para compreender a carreira deste talento raro e de sua forma de atuar e produzir. Trata-se de uma apresentação "ao vivo" num palco de
verdade, onde Shadow risca, cola, mixa, altera e cria músicas próprias utilizando-se em tempo real de discos alheios e de ruídos eletrônicos produzidos pelo próprio. Sua técnica é impressionante! Além de demonstrar faro musical instantâneo em conjunto com um quase malabarismo com as mãos no equipamento, o DJ também funde em tempo real imagens que se casam perfeitamente com as músicas apresentadas. O caráter "ao vivo" se entende pelo fato de suas músicas originais gravadas em disco serem absolutamente
desconstruídas, criando-se algo totalmente novo e ao mesmo tempo preservando o "original" - é preciso utilizar-se de aspas com este termo, pois o DNA de sua música é composto de uma cadeia infinita de referências alheias. Para os afccionados pela cultura eletrônica, assistir DJ Shadow neste DVD se torna algo desafiador, pois as possibilidades tecnológicas ali empregadas estão cada vez mais ao alcance das massas. Ao mesmo tempo que, se você pretendia um dia se tornar DJ, este vídeo pode se tornar um desestímulo, pois a forma como este sujeito faz seu ofício é para poucos!

Mas não é só isso...

A Quem Interessa?

Quem compraria um DVD de DJ que não fosse um próprio DJ??? Indo mais fundo na questão: será que o público que ouve (dança) música eletrônica e sustenta este universo paralelo se interessaria em desembolsar uns trocados para ver um DJ "tocando música dos outros" na televisão de sua casa? Faço estas perguntas porque a música eletrônica produzida para as pistas de dança - a dance music - lida basicamente com ritmo, numa espécie de transe coletivo e ao mesmo tempo individualista ao extremo (uma união de corpos juntos no mesmo local, cada qual em seu mundo individual - a catarse coletiva, neste caso, é virtual, imaginária, impessoal, não havendo troca de energia entre as pessoas, mas sim uma energia individual circundando um ritmo, um tempo, um espaço). O DJ é peça fundamental neste processo. Mas daí colocá-lo na mesma posição que a de uma banda de rock tocando num palco para uma platéia ensandecida é um pouco demais - e incoerente. São situações como estas em que ocorre um paradoxo, onde tais universos, que sempre estão se cruzando, acabam separando-se em suas distinções mais evidentes.

Tal discussão - rock vs música eletrônica, analisada superficialmente, já vem sendo travada há tempos. Mas é fato de que a tal e-music não se trata simplesmente de uma peça rítmica produzida por não-músicos. Um dos filósofos mais importantes da dita "Era da Informação", o francês Pierre Lévy, dedicou um capítulo inteiro de sua obra definitiva "Cibercultura" ao que ele denominou de "música techno". Ali foi ressaltada a extrema importância da música produzida por DJs como um elemento fundamental para a propagação de culturas através da simbiose de ritmos e referências, das quais estas isoladamente talvez nunca despertassem o interesse de alguém que estivesse habituado a apenas poucos estilos musicais ao seu alcance de forma convencional (e passiva, diga-se). Mas insisto em, mesmo sendo DJ, separar estes dois universos - rock e eletrônica - no que diz respeito à apresentação "ao vivo".

O DJ rege uma massa coletiva em prol da dança - conceito básico e definitivo, certo? Como agente causador de emoções positvas diante de tal coletivo de indivíduos, ele assume o papel de centro das atenções, certo? Portanto, ter uma performance cênica marcante também faz parte do processo, certo? E na hora de pagar 80 paus para ver um DJ famoso rodar discos com música alheia num clube específico é caro mas justo, certo? Pois bem. Neste ponto em que o DJ sai da cabine e vai para um palco dividir atenções e importância com bandas com músicos tocando seus instrumentos é que a porca torce o rabo. Tire todos os aparatos de iluminação e video-animação do show dos Chemical Brothers em um estádio e veja se o resultado permaneceria o mesmo. Não estou desmerecendo uma das maiores bandas da música eletrônicas de todos os tempos. Mas é para os clubes - ou para as raves, é que a dance music foi feita. Quando ela se torna mainstream, tem que utilizar-se de métodos de adaptação que a aproxime de um artista de rock/pop, pois uma cara sozinho trocando vinis num par de toca-discos não seguraria a onda perante um público que pagou para assistir a apresentações com músicos.

Eu sei que esta questão é polêmica e rende muito mais do que estas parcas linhas virtuais. Mas assumo esta postura crítica com convicção, justamente por estar inserido neste universo, pois seria óbvio demais criticar negativamente algo que você não vive diretamente. Como DJ e amante inveterado da música eletrônica que sou desde criança (lembrem-se que havia tecno-pop nos anos 80...), não vejo sentido em gastar grana num DVD para ver um cara tocando música dos outros! É o mesmo caso do vídeo do Fat Boy Slim: prefiro ver o cara tocando na pista onde eu esteja, pois curto pra cacete dançar um set de um DJ de qualidade. Mas ver um vídeo do mesmo tocando para outras pessoas me soa totalmente sem sentido. A dance music proporciona sensações efêmeras e momentâneas numa pista. É melhor estar lá e lembrar depois. Ver um vídeo disso, só sendo DJ mesmo!

*Eu assisti aos três DVDs citados na Fnac Paulista, gratuitamente, numa TV de plasma de 54', som de home theater e sentado num sofá muito confortável. E não comprei os DVDs...

15 Comments:

Blogger Mentor said...

Kalunga, já era pra vc está numa revista especializada ganhando grana fazendo o que vc faz muito bem. Muito foda o texto, a crítica, o referecial teórico... Velho, algum pica grossa ainda vai ler seus textos... MASSA!!!
segunda feiro mando umas mentoradas no texto. Dá pra rolar uma puta discussão... Inté!

16 de outubro de 2004 às 21:44  
Blogger caio said...

Kalunga, este foi o melhor texto seu lido por mim, sem dúvidas. Discussão interessante e nervosa, velho. Mas tendo ainda a achar que o papel do DJ é apresentar referências, qualidades alheias, com algum toque criativo. Para isso o talento é fundamental, já que a seleção de trechos/músicas exige bom gosto, feeling e tesão. Mas a predominância do ritmo continua me incomodando. Não vejo música (harmonia, melodia, ritmo e letras - se possível), enfim. Apenas vez ou outra... Porém, confesso: falta-me um embasamento maior. Valeu!!!

17 de outubro de 2004 às 00:56  
Blogger Kalunga said...

Mentor: valeu pelos elgios, e se um milagre pudesse acontecer, vossas preces (e minhas também!) seriam atendidas! Aguardo com ansiedade tuas mentoradas, pois preciso de opiniões fortes, contrárias ou não, para que as discussões que proponho venham a ser mais profundas e válidas para alguma coisa.

Lacaio: o DJ tem como obrigação de ser uma fonte de referências musicais, podendo trasncorrer com conhecimento de causa por vários estilos musicais bem distintos. O universo de referências é que faz a qualidade de um DJ. Já vi vários DJs tecnicamente excelentes, mas que só tocam aquilo que escolheram tocar e não sabem porra nenhuma de qualquer outro estilo musical - uma postura burra mesmo.

Indo mais fundo na questão do "ao vivo" que citei, eu poderia comparar o vídeo do DJ Shadow ao DVD do G3 (Yngwe Malmsteen, Satriani e Steve Vai juntos no mesmo palco). Tal DVD de guitarrista me soa masturbatório e tão somente interessante aos que tocam guitarra ou aos que realmente amam de verdade os artistas citados. Mas no aspecto "ao vivo", a dance music deveria se concentrar em fazer as pessoas dançarem e não vender gato por lebre e colocar um cara com um par de toca discos ou um lap-top para disputar as atenções com as bandas igualmente num festival que não seja de eletrônica. Num Skol Beats, por exemplo, isso tudo faz sentido. Num palco com "músicos de verdade", a dance music tem que se adaptar ao formato deles.

17 de outubro de 2004 às 11:30  
Blogger Kalunga said...

Um fato totalmente incoerente rolará na próxima quarta-feira, 20 de outubro: o show dos Chemical Brothers, que terá a abertura de três top DJs internacionais (um deles é brasileiro), será realizado num estádio e tem horário previsto para terminar à meia-noite. À meia-noite???!!! Porra, se tem três DJs num palco, além da apresentação principal, o evento teria de ser realizado no formato de uma espécie de rave. Mas estão tatando como um show de rock mesmo. Muito marinheiro de primeira viagem que não curte eletrônica irá ao show (a divulgação ostensiva sugere algo para as massas e não para um público segmentado) e se decepcionará profundamente com isso, pois a forma como o evento será realizado está totalmente errada!

18 de outubro de 2004 às 11:39  
Blogger Kalunga said...

Prestem a atenção no programa AMP, da MTV. Vejam como são feitos os video-clipes deste segmento. Quase todos são pequenos curta-metragens, onde o DJ/produtor quase nunca aparece, e as imagens evocadas por aquele tipo de som falam mais alto. Porra, os clipes de Chemical Brothers e Fat Boy Slim são geniais! Mas, pra vê-los ao vivo, só in loco, pois em DVD não faz sentido que não tenha os video-clipes inclusos perlo menos (é o caso do CB).

18 de outubro de 2004 às 11:42  
Blogger Mentor said...

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18 de outubro de 2004 às 14:09  
Blogger Mentor said...

Toda expressão artística carrega consigo uma imagem, é a sua identificação direta, a representação de sua atmosfera. Desta forma, não poderia ser com e-music. O maneiro do seu questionamento é a crítica ao formato e o como isso está sendo comercializado (vendido, planejado como estratégia de marketing, no bom estilo empurrado). Sinceramente, o trabalhar com a imagem – principalmente em se tratando de um produto tão novo para o grande mercado consumidor, que é o lance da e-music – tem que ser encarado com a mesma veia artística e com a mesma pulsação da música contida nela. Tem uns lances de vj, com umas imagens sobrepostas na galera e nas paredes da boate, que é muito foda, é uma expressão antiga – muito utilizada por vídeos makers -, mas que tem um canal de transmissão muito massa e novo, a própria pista.

Há um tempinho atrás eu vi na tv o show do KRAFTWERK... O som estava irado, a galera se amarrando, as imagens do telão...MUITO FODA... mas os caras no palco estavam mortificados, robotizados. Se não tivesse todas aquelas luzes e efeitos, o show seria meio palha...exatamente porque a grande questão da música eletrônica é a interatividade e a fantasia da modernidade... uma espécie de catarse coletiva...

A questão do dvd desse dj, é a mesma enfrentada por qualquer banda de som instrumental, a diferença é o próprio espetáculo da execução. Os antagonismos entre música eletrônica ou orgânica, a instrumental e a com voz, o popular e o erudito, são necessária e tolas ao mesmo tempo...porque na verdade não há distinção... Uma impressão de música eletrônica/virtual, por exemplo, pode, ser muito bem, feita por metais e percussão – observe que nem estou mencionando guitarra, por já considerá-la um instrumento que emite som de forma virtual (física, mais virtual) -. Caetano Veloso, que é um merda – não fez porra nenhuma depois de “Transas (1972)”, tem uma faixa intitulada doideca, cuja qual, ele usa e abusa de percussões e sopros...Velho, o clima da música é extremamente eletrônico. A Daniela Mercuri sacou isso e montou um trio elétrico com carinha de música eletrônica, que passeia desinibido em pleno carnaval de Salvador. Isso porque estou mencionando os merdas...

18 de outubro de 2004 às 14:38  
Blogger Kalunga said...

Mentor, teu último comentário é perfeito! A música eletrônica, aquela que tomou forma após o surgimento do Kraftwerk e que é a que conhecemos hoje, necessita de outroselementos para chamar a atenção num palco, pois se trata de uma outra forma de passar e captar tais informações.

Vc citou o Kraftwerk, e a intenção deles sempre foi essa mesmo. Já li uma entrevista com o Ralf Ruther (um dos cabeças do grupo) e ele falou que a presença humana o grupo no palco é irrelevante. Pense bem, oscaras estouraram no mundo inteiro em 1974 com músicas que celebravam as máquinas, um futuro frio e ao mesmo tempo interessante. Eles foram considerados na época como "a morte da música". Imagine isso há trinta anos atrás! E os shows deles desde esta época (e desde antes...) sempre foram assim, com instrumentos eletrônicos sendo manipulados por humanos de formação erudita e que produziam um tipo de música mais minimalista e eletrônica possível, desprezando o elemento humano no palco em prol de um futuro que nós vemos hoje. A diferença é que estes velhinhos robóticos estão sempre à frente de tudo...

19 de outubro de 2004 às 12:16  
Blogger Mentor said...

O Kraftwerk É FODA!!!!!
ESTA ENTRE OS SONS QUE EU MAIS GOSTO...
OUTRA ELETRÔNICA É O FRONT 242...

pORRA KALUNGA ESCREVE SOBRE O MINISTRY!!!!!!

22 de outubro de 2004 às 14:24  
Blogger Kalunga said...

Mentor, vou escrever algo sobre os sons que vc citou em breve no V4. Por aqui eu tenho que literalmente produzir algo noticioso - este é o foco do DN. Terça que vem vai rolar Pavilhão 9 e com certeza vai ter foto e resenha do show por aqui.

23 de outubro de 2004 às 13:15  
Anonymous Anônimo said...

Fala Kalunga!!! Cara li seu post e concordo muito com o que você disse. Mas confesso que sempre compro os DVD´S de música eletrônica, seja de um DJ tocando ou não. Esse do DJ Shadow comprei também. E é justamente por sermos dj´s que fico na pilha de ver o que está pra ser mostrado de novo em relação a produção, performance, set, entre outras coisas. Nem sempre acho que empreguei meu dinheiro em uma boa compra, mas fazer o que?! Esse do dj Shadow, por exemplo, é de uma simplicidade enorme. Ele tocando e um telão projetando imagens atrás que nem de longe se comprara com os caras do The Chemical Brothers, por exemplo. E como o ditado diz que "a curiosidade matou o gato", eu posso dizer que estou morrendo direto a cada DVD de música eletrônica que compro!!! Abs.
Gustavo Buteri

26 de outubro de 2004 às 16:46  
Blogger Kalunga said...

Fala Arroz!

Olha, pra ser sincero, eu não levei tais DVDs citados mais pela falta de $$$ do que pela estética da parada, hehehehe...Como vc falou, sendo DJ é difícil não ficar tentado. Mas meu instinto me disse pra gastar primeiramente meu $$$ com um DVD convencional, tipo de alguma banda que eu goste.

28 de outubro de 2004 às 12:23  
Blogger Kalunga said...

Fala Arroz!

Cara, pra falar a verdade, eu só ponderei em comprar estes DVDs citados pelo simples fato de não estar com $$$ sobrando. Preferia comprar um DVD "de banda", sacas? Mas eu realmente gostaria de tê-los em casa.

29 de outubro de 2004 às 11:21  
Anonymous Anônimo said...

Bacalhau falando..porra tem q se cadastrar pra fazer um comment não anônimo?
mas bem ...compra-se um DVD do Dj Shadow por um único e simples motivo:
O cara é O CARA do turntablism. Se curtes ver um cara esmerilhando vinis, cousa q particularmente me agrada muito, esse é o DVD.

5 de novembro de 2004 às 14:00  
Blogger Kalunga said...

Fala Bacalhau!

10 de novembro de 2004 às 13:06  

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